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terça-feira, 20 de outubro de 2009

FOTO: ARQUIVO ARTURO MEIO AMBIENTE

Um grupo de agricultores familiares da região serrana do Rio de Janeiro está unindo criação de pequenos animais e produção orgânica de hortaliças. Na hora de preparar os canteiros são as galinhas e as cabras do sítio que fornecem a matéria prima do adubo das hortas. O Globo Rural mostra como funciona o projeto.
É uma paisagem diferente da que vem à cabeça quando se pensa no Estado do Rio de Janeiro. O município de Petrópolis, na região da serra fluminense, fica a 70 quilômetros das praias do Rio.
As cenouras de um colorido impressionante fizeram a agrônoma Jurema Diniz pular da cama bem cedinho. Ela levantou às 5hs e subiu a serra para comprar produtos orgânicos, que depois revende no Rio.
“Eles procuram mais cenoura, batata e tomate. Mas tem muita diversidade. Acho que eles não sabem também. É bom divulgar”, contou Jurema.
O carro volta para o Rio lotado de salsa, agrião, couve, brócolis, aipo e almeirão. Produtos que saem direto da horta do agricultor Levy Gonçalves, que fica na comunidade do Brejal.
O seu Levy começou na lavoura com o pai, ainda menino. Há 30 anos, ele planta orgânicos e não falta experiência para ele. Alguns pés de couve-flor do canteiro ficam sem colher. A hortaliça solta um pendão, floresce e forma as vagens com sementes.
“Como a semente da couve, estava ficando realmente muito caro. Aí eu comecei a fazer umas contas que ficasse só comprando a semente da couve, aí o lucro ia ser muito pequeno. Essas couves ficavam uns R$ 600 de semente. É a semente que eu uso para o ano todo. Então, são R$ 600 de semente que eu não compro”, calculou se Levy.
O seu Levy acredita que o principal segredo da horta farta está no composto orgânico que o sócio dele, o seu Geraldo Silva, está usando. Os dois cultivam mais de dez espécies de hortaliças em dois hectares de terra. Na lavoura de alface, ele joga o composto e mistura bem.
“A abóbora para mim foi uma surpresa. Uma abóbora dessas pesa cerca de 20 a 22 quilos”, falou seu Geraldo.
A receita desse composto poderoso veio da Embrapa Agrobiologia, que orienta 40 famílias de agricultores dos municípios de Petrópolis, Teresópolis e São José do Vale do Rio Preto. Elas criaram uma associação batizada de Horta Orgânica e foram certificadas pela Abio. Basicamente, para ser classificada de orgânica a produção agrícola precisa ser sustentável, não utilizar os adubos químicos industrializados convencionais nem veneno.
No projeto da Embrapa, as galinhas e cabras são aliadas de peso. Para começar a criação cada família recebeu 50 galinhas e duas cabras. Os bodes são coletivos, com um para cada dez criadores. O gasto com animais foi bancado com recursos do CNPq, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.
“A vantagem é que algumas coisas que se perdem, como folhas e restos, pode trazer para os animais. Além de consumir, você pode fazer o composto. Antes, eu gastava cerca de R$ 1,2 mil ao ano. Seriam dois caminhões. Caiu pela metade”, calculou seu Geraldo.
A equipe de reportagem sair do Brejal e andou 30 quilômetros até São José do Vale do Rio Preto para ver como se prepara esse composto.
A inspiração do projeto nasceu na pequena propriedade de 1,5 hectare. Foi uma Ideia de dois agricultores, os irmãos Luiz Carlos e Sérgio. Eles foram os pioneiros no uso de cabras e galinhas na produção de composto para adubação da lavoura orgânica e viraram modelo para essa integração animal-vegetal na região.
As cabras do Luizinho e do Sérgio são bem tranquilas. Só se estranham quando uma percebe que a outra está se metendo no cocho alheio. Os animais ainda não têm certificação, mas seguem as principais recomendações orgânicas: não usam medicamentos alopáticos ou vermífugos sintéticos.
“Quando inicia a chuva é o período mais propicio ao ataque do parasita, principalmente o verme. Então, nesse período a gente se cuida mais com elas dando folha de bananeira uma vez por semana. Em outro período do ano, a gente da de 15 em 15 dias”, explicou Luizinho.
O capril foi construído de um jeito que facilita a retirada do esterco, trabalho feito a cada 60 dias. “Na verdade, a gente não perde nada porque tudo entra no sistema”, completou o Luizinho.
Além de ração, as galinhas recebem um reforço alimentar. Da até gosto de ver como elas saboreiam uma salada. No chão vai se formando mais um ingrediente do composto. As fezes das galinhas vão se misturando ao capim. Também a cada dois meses a cama de frango é recolhida.
Depois, o Luizinho prepara o composto. Primeiro, coloca 20 centímetros de cama de frango. Em seguida, acrescenta cinco centímetros de esterco de cabra. Molha e repete o processo até chegar a uma pilha de pelo menos um metro de altura.
“As bactérias trabalham de zero a 45 dias. Nesse período você tem que tomar cuidado para não deixar encharcar demais, senão apodrece; e não deixar a temperatura elevar demais, senão queima o material”, explicou Luizinho.
A cada três dias, a massa é revirada. Em três meses, o composto está curtido, pronto para adubar a horta. O agrônomo Eiser Felippe, um dos criadores do projeto, explica porque ele funciona tão bem.
“A agricultura orgânica observa o que a natureza faz e tenta copiar o que é feito pela natureza. Todo o adubo da natureza vem da decomposição dos restos vegetais da própria natureza, decomposição das folhas que caem no solo, decomposição do esterco do animal que faz as fezes no chão da mata. O processo de compostagem atinge uma temperatura tal que inibe qualquer bactéria ou qualquer fungo. Ela vai a 70 ou 80 graus centígrados. Essa temperatura mata todos os microorganismos. Não há problema nenhum. Ninguém está comendo nada sujo”, avisou o agrônomo.
Os canteiros do Luizinho e do Sérgio se alinham nas curvas de nível do terreno e contêm várias espécies de hortaliças. Para todas elas, o composto é a base da nutrição.
“A lavoura de ervilha, que já está no final, eu não pulverizei nada. O tomate eu também não precisei pulverizar nada. No começo, tinha essa necessidade. Ao longo do tempo, já são 15 anos de orgânico, a gente está percebendo que não está havendo essa necessidade. Com isso fica muito mais barato”, lembrou o Sérgio.
As caldas alternativas que o Sérgio mencionou são usadas principalmente para controle de fungos. São produtos à base de cobre e seu uso é permitido na agricultura orgânica.
Uma grande dificuldade para quem produz hortaliças é o escoamento da produção. Por isso, a associação aluga dois caminhões. Duas vezes por semana, eles circulam pelos sítios para recolher os produtos. As caixas seguem para um galpão onde os pedidos são separados.
O diretor financeiro da associação, Paulo Aguinaga, vai organizando as planilhas no computador. No mesmo dia, o carregamento segue para os mercados e feiras do Rio de Janeiro e de outras cidades do Estado. A associação também definiu um novo jeito de remunerar o agricultor.
“A gente vê que no mercado convencional existem aqueles picos do preço lá em cima ou lá embaixo em função da oferta do produto. Então, a gente procura garantir para o agricultor orgânico que trabalha com a associação o preço estável o ano todo. Com isso, ele consegue se programar em termos de faturamento e investimento porque ele sabe exatamente o que receberá se produzir o que está programado”, disse Aguinaga.
No assentamento em Santa Rita, no distrito de Teresópolis; das 90 famílias assentadas, catorze aderiram ao programa da associação.
Na mesa do seu Luiz Ventura e da dona Ilza tem bolo de fubá, bolo de limão e um queijo de cabra bem gostoso. Tudo foi produzido no sítio.
A mudança mais difícil para a família Ventura aconteceu quando ela resolveu trocar o cultivo convencional pelo orgânico. “Eu não acreditava. Eu trabalhei 35 anos com veneno, botando remédio na lavoura, porque a gente colhia muito. Eu não acreditava que a gente ia colher um pé de alface sem botar nada, só botando esterco. Nosso sítio não tem cheiro de veneno. Só tem cheiro do ar das coisas boas”, disse seu Luiz.
A propriedade tem dez hectares, com quatro com produção. Há dois anos, a família recebeu da associação as 50 galinhas e as duas cabras, que já se multiplicaram.
“Eu tinha medo delas. Não gostava, não. Achava que elas eram agressivas”, admitiu a dona Ilza.
Mas hoje elas são tratadas com muito carinho. “São minhas filhas. Eu converso com elas. São crianças”, brincou dona Ilza.
A horta do seu Luiz Ventura é de um capricho só. Tem alface lisa, crespa, cebolinha, beterraba, feijão, cebola e aipim.
A associação orienta os produtores sobre o que e quanto plantar, de acordo com os pedidos que recebe. O seu Luiz pode plantar mais, mas a venda do excedente fica por conta dele. Por isso, o seu Luiz vai atrás dos compradores.
Ele percorre as estradinhas de chão até os condomínios de casas mais próximos.
Cada cliente é atendido na porta de casa. Além das hortaliças, a dona Waldemir Maria Neves se abastece de feijão e frutas. “A diferença é a durabilidade. A orgânica tem mais durabilidade do que a do mercado. Até as leguminosas têm maior durabilidade. Dura mais de uma semana ou dez dias, por aí”, disse.
De volta ao sítio, é hora de fazer as contas. “Eu consigo vender R$ 120 por semana. Tem vez que não da nem isso porque às vezes o carro vai cheio e volta cheio”, falou seu Luiz.
Dois anos depois de implantado o projeto, o agrônomo da Embrapa Renato de Assis faz uma avaliação. Além de reforçar a renda, a produção orgânica melhorou o padrão alimentar dos agricultores.
Animadas com os resultados, muitas famílias do projeto já fazem planos para o futuro. “Nós estamos investindo, querendo trazer nosso filho para ajudar”, revelou seu Luiz.
“A agricultura orgânica é um grande relógio biológico e vai andando, vai se processando, vai se transformando e vai mostrando para as pessoas que as coisas são possíveis. Eu acho que o grande segredo é a felicidade que faz a gente, num espaço pequeno, tocar nossa vida”, concluiu o Luizinho.
Fonte: Globo Rural

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